15:30 - 19:00
Top Music Vai Vai Brasile com Top Music Vai Vai BrasileTop Music Vai Vai Brasile com Top Music Vai Vai Brasile
Offline
Unicamp cria método para garantir qualidade na produção doméstica de remédios de maconha
Publicado em 25/02/2024 16:29
Brasil

Um projeto desenvolvido pelo laboratório do Centro de Informação e Assistência Toxicológica da Unicamp (CIATox) criou um modelo capaz de controlar a qualidade dos óleos de cannabis produzidos de forma doméstica por famílias ou associações.

O objetivo é dar mais segurança para quem usa produtos medicinais à base de maconha. Nos últimos dois anos, o trabalho analisou cerca de 900 amostras de todo Brasil e agora busca demonstrar um avanço científico sobre o uso da planta em tratamentos de saúde.

(Esta reportagem faz parte de uma série especial do g1 Campinas sobre cannabis medicinal, que explica quais são os caminhos e desafios para ter acesso a esses produtos hoje no Brasil e as iniciativas de pesquisa e individuais realizadas na região).

 

Nessa matéria você vai conferir:

 

O que é o controle de qualidade feito pela Unicamp

 

 
Cientista faz análise de amostra de óleo de cannabis no CIATox — Foto: José Luiz da Costa/Arquivo Pessoal

Cientista faz análise de amostra de óleo de cannabis no CIATox — Foto: José Luiz da Costa/Arquivo Pessoal

 

O controle de qualidade realizado na Unicamp é um desdobramento do projeto de doutorado conduzido pela pesquisadora Marilia Santoro Cardoso, que desenvolveu um método capaz de determinar 12 canabinoides – estruturas químicas que definem a composição desses produtos.

Entenda como o projeto funciona passo a passo:

 

  1. Os pacientes e associações extraem os óleos de cannabis e enviam lotes para o CIATox;
  2. No laboratório, que fica em Campinas (SP), os pesquisadores fazem uma análise de teor;
  3. A avaliação é capaz de determinar quais canabinoides estão presentes e em que quantidade;
  4. Por último, os lotes são devolvidos com detalhes da composição.

 

 

Por que o controle de qualidade é importante

 

 
 
Foto de arquivo mostra folhas de maconha — Foto: Ismael Soares/SVM

Foto de arquivo mostra folhas de maconha — Foto: Ismael Soares/SVM

Segundo o pesquisador José Luiz da Costa, que coordena o CIATox, o serviço possibilita que o paciente saiba exatamente o que compõe o óleo extraído de maneira doméstica, já que esse tipo de produção não tem um controle regulamentado e pode apresentar alguns riscos que são atenuados pelo projeto.

 

“Todo produto medicinal precisa ter um controle de qualidade para você ter um resultado eficaz. Você precisa saber qual a dose correta e se a substância está adequada”.

 

“Às vezes o paciente precisa tomar um produto com mais canabidiol [CBD] ou com mais tetrahidrocannabidiol [THC]. Ele precisa ter a certeza de que está tomando o remédio certo. Se o tratamento precisa ser constante, é importante padronizar o extrato que conseguiu”, completa o professor.

 

Isso significa, por exemplo, que:

 

  • Se a análise mostrar que a fórmula não é a ideal para aquele caso – por exemplo, se tiver mais THC do que o indicado –, o paciente poderá fazer adaptações;
  • Já se a fórmula estiver adequada, ele poderá manter aquela receita para os próximos extratos, pois terá mais precisão.

 

‍ Esse cuidado é relevante porque cada pessoa tem um sistema endocanabinoide único, ou seja, tem receptores no próprio corpo que recebem e reagem de maneira individual aos componentes da maconha. Por isso o tratamento deve ser personalizado.

Como ainda há uma variedade limitada de produtos autorizados para a venda, o paciente pode ter dificuldade de encontrar uma fórmula precisa para atender às necessidades dele. Por isso, apesar dos riscos, há quem prefira produzir o próprio óleo para garantir a assertividade para seu caso.

“Muitas associações e muitos pacientes dependem dessa análise da Unicamp. Hoje o trabalho é bem estruturado. A gente está até buscando acreditação junto ao Inmetro [Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia] para esse ensaio, que é uma forma dele ser reconhecido. A gente está buscando fazer essas análises dentro de um sistema de qualidade reconhecido internacionalmente”.

 

Ampliação do projeto

 

 
 

Costa comenta que o projeto nasceu de forma despretensiosa, mas pela alta demanda foi ampliando significativamente sua atuação. “A gente foi conversando com algumas associações que chegavam e elas pediam para fazer um convênio com a Unicamp”.

 

“Só que, até então, era um projeto de doutorado. Até que algumas associações falaram: 'eu te dou os reagentes para fazer a análise, podemos fazer de tal forma'. Aí esse negócio foi se desenvolvendo um pouco mais”, completa.

 

Em dezembro do ano passado, o trabalho desenvolvido pelo CIATox foi contemplado com um edital da Frente Parlamentar da Cannabis Medicinal e do Cânhamo de São Paulo, da Assembleia Legislativa do estado (Alesp) e receberá uma verba de R$ 180 mil, o que pode contribuir para sua ampliação.

Vista aérea do campus da Unicamp, em Campinas, onde fica o CIAtox — Foto: Reprodução/EPTV

Vista aérea do campus da Unicamp, em Campinas, onde fica o CIAtox — Foto: Reprodução/EPTV

 

Com o investimento, além da análise de teor das amostras, o projeto também vai avaliar a pureza dos óleos, identificando a eventual presença de praguicidas, solventes, entre outros componentes que poderiam comprometer a qualidade.

Um trabalho que pode ampliar a segurança dos pacientes já que a produção "caseira" está mais exposta a contaminações, como explica a pós-doutora pela Faculdade de Medicina da USP e presidente da Associação Médica Brasileira de Endocanabinologia, Ana Gabriela Hounie.

"Em remédios caseiros há risco de contaminação por fungos e pesticida, caso não seja uma produção orgânica feita em estufa, e por metais pesados, caso a terra usada também não seja analisada”,

 

“A produção pela indústria tem maior chance de ser fiscalizada e analisada para manter padrões de qualidade”, completa.

 

 
 

 

Associação beneficiada

 

A expectativa é continuar contribuindo com iniciativas como a Santa Cannabis, de Santa Catarina, que já recebe esse suporte da Unicamp. Fundada em 2019 para ajudar pessoas que precisam do tratamento, a associação tem hoje respaldo jurídico para cultivar, produzir e oferecer produtos medicinais a preço acessível (. Em quatro anos, cerca de 4,5 mil pacientes foram atendidos.

"[O controle de qualidade] dá a segurança para que os médicos possam receitar produtos de associações. Através dessa análise, a gente sabe a quantidade de canabinoides. Graças a esse processo, nossos produtos têm um QR Code que permite a médicos e pacientes consultarem os componentes", afirma Pedro Sabaciauskis, idealizador da Santa Cannabis.

Anos depois de observar os efeitos da maconha medicinal no tratamento de sua avó dona Edna, diagnosticada com Parkinson – e de concluir que mais pessoas deveriam ter acesso a isso –, Pedro acredita e defende o potencial do Brasil, do cultivo ao laboratório, em produzir medicinais canábicos tão eficientes quanto os internacionais.

Comentários
Carregando comentários...